Entendendo as reflexões inconscientes

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Sabe quando você está dirigindo o seu carro e através da sua imaginação simula uma conversa com o seu chefe que você não teve, mas gostaria de ter tido? Ou quando, você se senta na frente da televisão e a única coisa que você não faz é assistir televisão porque você estava simulando o seu seminário da faculdade que será no dia seguinte. Ou você está escovando os dentes e quando percebe, a gengiva até dói com a pressão da escova, porque você estava imaginando como você responderia uma ofensa feita por um colega de trabalho.

Então, existe uma área do cérebro que é ativada quando a pessoa não está envolvida em nenhuma tarefa cognitiva específica, essa área ativada é chamada Rede de Modo Padrão, em inglês Default Mode Network – DMN.

Quando relaxamos geralmente imaginamos coisas, lembramos de situações e divagamos no tempo. A DMN tem sido associada com várias funções cognitivas, de acesso à memória autobiográfica, raciocínio moral, avaliação social, e, mais notavelmente, devaneio mental (mind-wandering) – um estado de refletir sobre si mesmo e outros (1).

O DMN mostra maior atividade durante o estado de repouso quando o indivíduo está focado mais internamente do que no mundo externo ou em tarefas que demandam atenção (2).

As regiões cerebrais envolvidas no DMN incluem o córtex pré-frontal medial, o córtex cingulado posterior, o lóbulo parietal inferior, o córtex temporal lateral, o córtex pré-frontal medial dorsal e a formação do hipocampo (1). E apesar de não estarmos focados ou concentrados em uma atividade específica, estas flutuações contínuas de baixa frequência no estado de repouso consomem 60-80% da energia do cérebro (3,4).

Em humanos, as regiões no DMN são raramente conectadas em crianças entre 7 e 9 anos, mas fortemente conectadas em adultos, indicando que a infância e a adolescência são períodos críticos para o desenvolvimento dessa rede cerebral (5).

Dentre todas a hipóteses em relação a função da DMN, a que apresentam maior consenso é a hipótese da sentinela. Essa hipótese indica que, mesmo quando estamos em repouso, devemos monitorar o nosso ambiente de modo amplo, ou temos a oportunidade de avaliar e simular coisas que aconteceram ou poderiam ter acontecido. Com a única finalidade, a de autopreservação. Essa hipótese é muito valida considerando que os nossos ancestrais viviam em constante perigo (6,7,8).

Geralmente não percebemos quando o DMN entra em ação, você começa a ruminar sobre o que aconteceu no dia anterior e o que acontecerá nos próximos dias. Você fica ansioso com o desempenho passado e está ansioso com o desempenho futuro. A rede de modo padrão pode sequestrar a mente para remoer as preocupações (9).

Os efeitos fisiológicos originados por esses pensamentos são exatamente iguais aos experimentados em eventos reais. Por essa razão, quando imaginamos uma discussão com o colega de trabalho ou o seu cunhado falando todas aquelas verdades que ele mereceria ouvir, e de repente o telefone toca, a rede neural desativa, entretanto o mal-estar como se tivesse realmente tivesse discutido segue no corpo e não sabemos porque não nos sentimos bem.

Por outro lado, quando focamos em algo o DMN é desativado e os pensamentos negativos desaparecem. 

Muitos pesquisadores demonstraram que as pessoas são infelizes quando a mente fica divagando. A hipótese é que a infelicidade pode estar associada ao aumento da conectividade funcional no modo padrão durante o repouso, incluindo o córtex pré-frontal medial (MPFC), o córtex cingulado posterior (PCC) e o lóbulo parietal inferior (IPL) (10).

Evidências mostram que pessoas infelizes são inclinadas a se debruçar sobre seus eventos negativos de vida, focar em suas auto emoções, o que resulta em uma variedade de consequências adversas, pois acabam ruminando sobre seus arrependimentos, fracassos, vergonha e raiva. Outras ligações com a desregulação da rede no modo padrão foram feitas com autismo, esquizofrenia e outras condições (10).  

Por exemplo, Killingsworth e Gilbert (11) coletaram casos autorrelatados por 2250 participantes e descobriram que as pessoas eram menos felizes quando suas mentes vagavam em comparação a pessoas que não estavam divagando. Indivíduos infelizes, ao contrário de seus pares felizes, mostraram pensamentos auto focados aumentados e foram mais sensíveis a feedback negativos, o que afetou negativamente seu desempenho em tarefas (12).

Além disso, a ruminação está implicada em sintomas depressivos e ansiosos (13). Conhecer como funciona a nossa mente pode contribuir com o aumento do nível de satisfação e bem-estar. Seja o protagonista do seu Destino.

1. BUCKNER, R. L., ANDREWS-HANNA, J. R., & SCHACTER, D. L. (2008). The Brain’s Default Network: Anatomy, Function, and Relevance to Disease. Annals of the New York Academy of Sciences, 1124(1), 1–38.

2. ASHWAL, S. (2017). Disorders of Consciousness in Children. In Swaiman’s Pediatric Neurology: Principles and Practice: Sixth Edition (pp. 767-780). Elsevier Inc.

3. SHULMAN, R. G., HYDER, F., & ROTHMAN, D. L. (2004). Baseline Brain Energy Supports the State of Consciousness. Proceedings of the National Academy of Sciences, 101(27), 9905–9906.

4. RAICHLE, M. E., & MINTUN, M. A. (2006). Brain Work and Brain Imaging. Annual Review of Neuroscience, 29(1), 449–476. 

5. FAIR, D. A., COHEN, A. L., DOSENBACH, N. U. F., CHURCH, J. A., MIEZIN, F. M., BARCH, D. M., RAICHLE, M. E., PETERSEN, S. E., & SCHLAGGAR, B. L. (2008). The Maturing Architecture of the Brain’s Default Network. Proceedings of the National Academy of Sciences, 105(10), 4028–4032.

6. SHULMAN GL, FIEZ JA, CORBETTA M, BUCKNER RL, MIEZIN FM, RAICHLE ME, PETERSEN SE. Common blood flow changes across visual tasks: II. Decreases in cerebral cortex. J Cogn Neurosci. 1997;9:648–663.

7. RAICHLE ME, MACLEOD AM, SNYDER AZ, POWERS WJ, GUSNARD DA, SHULMAN GL. 2001. A default mode of brain function. PNAS 98:676–82

8. GILBERT SJ, DUMONTHEIL I, SIMONS JS, FRITH CD, BURGESS PW. (2007). Comment on “Wandering minds: The default network and stimulus-independent thought” Science 317:43.

9. DEFAULT MODE NETWORK. Psychology Today. Disponível em https://www.psychologytoday.com/us/basics/default-mode-network?amp. Acesso em: 24 de Março, 2024.

10. LUO Y, KONG F, QI S, YOU X, HUANG X. (2016). Resting-state functional connectivity of the default mode network associated with happiness. Soc Cogn Affect Neurosci. Mar;11(3):516-24. doi: 10.1093/scan/nsv132. Epub 2015 Oct 24. PMID: 26500289; PMCID: PMC4769634.

11. KILLINGSWORTH, M. A., & GILBERT, D. T. (2010). A Wandering Mind Is an Unhappy Mind. Science, 330(6006), 932.

12. LYUBOMIRSKY, S., BOEHM, J. K., KASRI, F., & ZEHM, K. (2011). The Cognitive and Hedonic Costs of Dwelling on Achievement-Related Negative Experiences: Implications for Emotional and Academic Adjustment. Emotion, 11(6), 1154–1161.

13.  NOLEN-HOEKSEMA, S., WISCO, B. E., & LYUBOMIRSKY, S. (2008). Rethinking Rumination. Perspectives on Psychological Science, 3(5), 400–424.

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Felipe Azarias é fundador da Umajuda e especialista nas áreas de Filosofia e Neurociência. Apoiador de movimentos filantrópicos, empreendedor e executivo há mais de duas décadas, sua carreira proporcionou mais de 15 voltas ao mundo, oportunidade que ampliou sua vontade de aprofundar no conhecimento do comportamento humano. Atualmente, também é doutorando pela USP na área de Neurociência.

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