Todos os dias tomamos decisões e julgamos eventos que acontecem à nossa volta. Às vezes, pensamos cuidadosamente antes de decidir algo, mas na maior parte do tempo tomamos decisões de maneira rápida com as informações que estão ao nosso alcance naquele momento.
Os processos autônomos, mais conhecido como a razão, sempre estiveram em pauta nas discussões filosóficas há milênios, onde sempre foi ressaltada a importância de estar consciente das nossas decisões e atitudes. Entretanto, a maioria das decisões e comportamentos humanos estão fora do alcance da consciência, representados por processamentos automáticos e formas de aprendizagem inconsciente, tal como hábitos, condicionamento, efeito de primming e aprendizagem não associativa.
Na psicologia o processamento automático refere-se a atividades cognitivas que ocorrem de maneira rápida e requerem pouco esforço. Esse tipo de processamento de informação ocorre de maneira inconsciente. O processo automático permite que sejam realizadas múltiplas tarefas sem sobrecarregar os recursos cognitivos (1).
O processamento automático tem uma vantagem evolutiva importante porque nos dá agilidade para tomar decisão sob alto níveis de estresse e de maneira não consciente, são aquelas decisões instintivas que não exigem a consciência. À medida que ganhamos mais experiência, aprendemos com os eventos da vida, passamos a associar e projetar possíveis soluções para problemas sem exigir nenhum esforço cognitivo.
Do ponto de vista evolutivo, esse processo marcou a espécie humana com importantes vantagens, porque permitiu que se fizessem julgamentos e tomássemos decisões de maneira rápida.
Por que não conseguimos ser conscientes o tempo todo?
Segundo Steven Pinker(2), professor de psicologia em Harvard e cientista cognitivo, explica porque não conseguimos ser conscientes o tempo todo, e nomeia três fatores que limitam o uso do processamento consciente: espaço, tempo e meio.
- O fator de espaço: refere-se ao limite físico que o tamanho do crânio e cérebro impõe sobre nossa cognição. Estudos de comparação evolutiva mostram que, proporcionalmente, nosso cérebro é muito grande para o tamanho do nosso corpo. O fato da espécie humana ser bípede (dois pés) e as nossas cabeças serem relativamente grandes, tornam o parto humano mais complexo. Um leve aumento de tamanho cranial impossibilita totalmente o parto. Portanto, o processamento inconsciente é importante, optimizando e automatizando funções cognitivas para facilitar o processamento cerebral.
- O fator de tempo: refere-se à transmissão de sinais nervosos entre regiões cerebrais. A velocidade dessas transmissões neurais demandam tempo, por isso se todas as informações fossem produto de considerações racionais conscientes, não haveria tempo suficiente em uma vida para fazer o que fazemos livre e facilmente em uma hora da nossa vida. Por isso, vemos uma separação por velocidade de processamento, com distintos subsistemas cerebrais produzindo uma resposta rápida e automática (geralmente de natureza inconsciente) e uma resposta lenta e controlada (geralmente de natureza consciente) (3).
Se nosso cérebro fosse maior, implicaria em uma perda de velocidade na neurotransmissão. Uma evidência para tal são os artefatos culturais deixados pela espécie homonídea Homo neanderthalensis, um humano com um volume cerebral maior do que o nosso, mas menos avançado em termos dos seus ritos culturais e ferramentas de caça (2).
- O fator de meio: refere-se ao alto consumo de energia para manter os processos cognitivos: “Pensar exige muito do nosso corpo. É um processo que toma energia na forma de oxigênio e glicose”. O processamento consciente exige um consumo imensamente maior de glicose e oxigênio do que o processamento inconsciente. Desta forma, o uso do processamento inconsciente para encarregar funções cognitivas básicas é uma estratégia de conservação metabólica, importante na evolução para a atuação contínua em contextos em que houve escassez de recursos e fontes alimentares (4).
O papel dos processos automáticos, inconscientes e de antecipação.
Estudos demonstraram que o limiar da consciência toma tempo, ou seja, entre a percepção inicial e a consciência do evento tomam quase meio segundo, ou seja, existe um atraso nesse processo. Do ponto de vista evolutivo, esse atraso da consciência colocaria em grande risco a nossa espécie, não poderíamos aguardar um evento tornar-se consciente para tomar uma decisão, por exemplo fugir ou lutar. Por essa razão, fomos equipados com mecanismos para compensar esse atraso de transmissão neural com processos automáticos e inconsciente. É muito mais fácil do ponto de vista energético e velocidade deixar o nosso cérebro no piloto automático (3).
Um outro mecanismo importante que contribui para otimização do recurso cognitivo é o processo de antecipação, aprendemos que prever os resultados de um evento antes que ele aconteça tem uma vantagem importante, porque ele acontece de maneira inconsciente. A antecipação só ocorre com estímulos “previsíveis”, para o qual nosso cérebro foi preparado por uma experiência anterior.
Os processos automáticos foram uma vantagem biológica importante na preservação da espécie por conseguir garantir que o cérebro funcionasse sem exigir grandes consumos energéticos (como estivéssemos no modo stand-by) e foi determinante na velocidade das tomadas de decisão e julgamento, deixando o recurso cognitivo livre para outros temas que exigissem mais complexidade.
Entretanto, os processos automáticos e inconscientes apresentam desvantagens. Devido a sua natureza de processamento rápido, é mais suscetível a erros quando comparado a decisões conscientes. Uma outra desvantagem é que o processo automático é consequência do aprendizado, por isso, é necessário um processo mais árduo para alterá-lo. O cérebro humano é um dispositivo que converte conhecimento consciente em conhecimento inconsciente.
O conservadorismo que o cérebro mostra ao empregar preferencialmente o processamento inconsciente age de forma para manter um estado de facilidade cognitiva, com o uso de atalhos mentais que são as heurísticas e vieses cognitivos para minimizar o engajamento ativo da consciência.
Para saber mais sobre esses atalhos mentais, sugerimos a leitura do artigo “Os atalhos do cérebro na tomada de decisões”.
1. BARGH, J. A. (1989). Conditional automaticity: Varieties of automatic influence in social perception and cognition. In J. S. Uleman, & J. A. Bargh (Eds.), Unintended thought (pp. 3-51). Guilford Press.
2. PINKER, Steven. (2022). O instinto da linguagem: como a mente cria a linguagem. São Paulo: Martins Fontes.
3. KAHNEMAN, D. (2011). Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Ed. Objetiva.
4. PINKER, Steven (2007). The Stuff of Thought: Language as a window into Human Nature. Viking.
Felipe é fundador da Umajuda e especialista nas áreas de Neurociência e Filosofia. Apoiador de movimentos filantrópicos, empreendedor e executivo a mais de duas décadas, acumulou experiências internacionais que lhe permitiram conhecer diversas realidades, culturas e aprofundar seu conhecimento sobre o comportamento humano. Atualmente, também é doutorando pela USP na área de Neurociência.