Dar sentido ao mundo a nossa volta conta com pura física e química. Quer um exemplo? Os nossos cinco sentidos – visão, audição, tato, paladar e olfato – captam diferentes tipos de energia propagadas no ambiente, como a luz (energia eletromagnética), as ondas sonoras ou pressão na pele (energia mecânica) ou as moléculas presentes nos alimentos e no ar (energia química), e as transformam em atividade elétrica ou impulsos nervosos.
Esse processo de transformação de energia do ambiente externo ou interno em impulsos elétricos neurais é conhecido como transdução, que dá origem a sensação.
Captando estímulos sensoriais
Os nossos sentidos têm um limite de captação para estímulos sensoriais – humanos saudáveis só percebem, por exemplo, uma faixa de frequências de ondas sonoras (entre 20 e 20.000 Hertz) e de ondas luminosas (entre 400 e 700 nanômetros)1. Em contraste, outras espécies possuem capacidades sensoriais distintas – cães e gatos, por exemplo, conseguem ouvir sons em frequências que ultrapassam a percepção humana, enquanto abelhas enxergam luz na faixa ultravioleta. Além disso, para que estímulos como um toque, um ponto de luz ou um som sejam detectados, é necessário que atinjam um nível mínimo de intensidade conhecido como limiar absoluto.
O limiar absoluto refere-se à menor intensidade necessária de um estímulo – como luz, odor, sabor, som ou pressão na pele – para que uma pessoa consiga percebê-lo em pelo menos 50% das vezes em que é exposta a ele2. Os estímulos abaixo do limiar absoluto são denominados estímulos subliminares.
Além dos estímulos vindos do ambiente externo, o corpo processa uma grande variedade de informações internas, como sensações físicas, lembranças, e atividades mentais relacionadas à imaginação e ao devaneio.
Uma vez que é compreendido o mecanismo das sensações, podemos seguir e entender a interpretação dessas sensações, que é a percepção.
O que é a percepção?
É a organização, integração e interpretação dos estímulos captados pela sensação. Dando consciência para a realidade. Ela desempenha um papel essencial ao permitir que o indivíduo realize tarefas do dia a dia: auxilia na identificação de objetos, alimentos , perigos, na noção de realidade, distância e localização, além de contribuir para a reação a ameaças, garantindo nossa segurança e adaptação ao ambiente.
A percepção apresenta dois caminhos:
1- Processamento bottom-up (de baixo para cima): análise que começa com os receptores sensoriais e sobe para a integração cerebral da informação sensorial, ou seja, o processo perceptivo acontece em tempo real baseado no estímulo sensorial que é analisado e dado um significado2.
2- Processamento top-down (de cima para baixo): processamento de informações guiado por processos mentais de nível mais elevado, construímos percepções com base em nossa experiência e nossas expectativas, ou seja, o cérebro usa a memória para preencher as lacunas e antecipa o que vem pela frente usando experiências anteriores e expectativas2.
Percepção e comportamento humano
A percepção desempenha um papel crucial na orientação do comportamento humano, sendo composta por várias funções importantes. A atenção é uma dessas funções e está intimamente ligada ao processo de seleção de informações relevantes entre a grande quantidade de estímulos recebidos pelos sentidos, permitindo foco em objetivos específicos e evitando sobrecarga sensorial.
Além disso, a percepção possibilita reconhecer objetos e eventos por meio da memória, que armazena experiências anteriores e facilitam o reconhecimento, interpretação e associação. Por isso, conseguimos diferenciar elementos familiares de novos estímulos, antecipar padrões e reagir de maneira eficiente ao ambiente.
Dessa forma, a atenção se destaca como uma função essencial para a realização de tarefas, agindo como um filtro para priorizar informações úteis, garantindo que o indivíduo concentre seus esforços no que é mais relevante para alcançar seus objetivos. Essa interação entre percepção e atenção é fundamental para orientar ações com eficiência e propósito.
A percepção humana é moldada por diversos fatores, incluindo emoções, motivações, cultura, expectativas e interesses individuais. Segundo Myers e DeWall2, estados emocionais podem alterar significativamente nossa interpretação do ambiente. Por exemplo, uma colina pode parecer mais íngreme quando estamos ouvindo uma música triste e menos íngreme com músicas alegres. As emoções também influenciam nossa compreensão de palavras, tornando mais provável que uma pessoa em um momento de baixo astral perceba a palavra “morte” em vez de “sorte” ou “dor” em vez de “cor” ao ouvir determinados sons. Ademais, as motivações afetam nossa percepção espacial, uma garrafa de água pode parecer mais próxima quando estamos com sede. Da mesma forma, a raiva pode nos levar a identificar mais hostilidade nos outros.
Por isso, muitas vezes as pessoas discordam sobre o que cada um percebeu quando vêem uma mesma cena.
Em síntese, o sistema nervoso recebe e converte diversas formas de energia provenientes do ambiente externo e interno em impulsos nervosos, originando sensações. A maneira como essa informação sensorial é estruturada e interpretada – processo conhecido como percepção – permite que identifiquemos objetos e eventos importantes, além de formar nossa experiência de um mundo coerente e significativo2.


Felipe é fundador da Umajuda e especialista nas áreas de Neurociência e Filosofia. Apoiador de movimentos filantrópicos, empreendedor e executivo a mais de duas décadas, acumulou experiências internacionais que lhe permitiram conhecer diversas realidades, culturas e aprofundar seu conhecimento sobre o comportamento humano. Atualmente, também é doutorando pela USP na área de Neurociência.
1 – BEAR, M., CONNORS, B.; PARADISO, M. Neurociências: Desvendando o Sistema Nervoso. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed Editora, 2017.
2 – MYERS, D.; DEWALL, N. Psicologia. 11ª ed. Editora LTC, 2017.