A Psicologia por Trás das Negociações: Altruísmo, Egoísmo e a Evolução da Cooperação Humana

Em negociações, o comportamento humano à primeira vista parece movido pelos interesses individuais. No entanto, a realidade é que nossa interação é moldada por uma complexa rede de mecanismos psicológicos e evolutivos, onde a cooperação frequentemente se sobrepõe à busca por benefício próprio.

A Origem do Altruísmo

O altruísmo, a disposição para agir em benefício de outros sem esperar uma recompensa, sempre foi um enigma para a biologia evolutiva. Afinal, a teoria da seleção natural de Charles Darwin, popularizada pela visão do “gene egoísta” de Richard Dawkins1, argumenta que o comportamento dos organismos visa garantir a perpetuação de seus próprios genes.

Nesse modelo, cada ação visa maximizar a sobrevivência e reprodução do próprio organismo. Como propõe Dawkins1, o comportamento é uma extensão da estratégia dos genes para se perpetuarem.

Como, então, o altruísmo evoluiu se ele parece reduzir as chances de sobrevivência individual?

Com o surgimento de espécies sociais, como insetos e mamíferos, entra em cena a seleção de parentesco (kin selection). Proposta por Hamilton2, essa teoria explica que ajudar parentes próximos pode ser vantajoso, já que eles compartilham parte dos mesmos genes. Assim, mesmo que o altruísta não se reproduza, seus genes ainda têm chance de sobreviver por meio dos parentes.

Esse mecanismo foi eficaz para os seres humanos em contextos pré-urbanos. Com o surgimento das cidades e o convívio prolongado com não-parentes, esse modelo perdeu força como explicação única para o altruísmo humano.

Altruísmo Recíproco: A estratégia da troca social

Em sociedades complexas, onde o convívio com estranhos é constante, o altruísmo recíproco torna-se essencial. Proposto por Trivers3, esse modelo baseia-se na ideia de que ajudar alguém hoje pode gerar um retorno futuro. Para isso funcionar, é necessário reconhecer indivíduos, lembrar interações passadas e punir quem não retribui. Essas habilidades cognitivas estão presentes em humanos e alguns primatas.

Esse mecanismo biológico é o que viabiliza o altruísmo recíproco. Em vez de ser um ato puramente desinteressado, o altruísmo recíproco é uma estratégia adaptativa baseada na expectativa de que um favor feito hoje será retribuído no futuro3. Sem essa reciprocidade, a formação de alianças e o trabalho em grupo, que trazem vantagens como a caça coletiva e a proteção contra predadores seriam impossíveis. A valorização do indivíduo altruísta, portanto, não é apenas uma norma social, mas uma necessidade evolutiva que garantiu a sobrevivência da espécie.

Essa necessidade de reciprocidade levou ao desenvolvimento de uma “contabilidade social” sofisticada. Nossa cognição evoluiu para reconhecer, memorizar e punir os “aproveitadores” que se beneficiam da cooperação sem retribuir. Isso nos permite distinguir quem é confiável em um grupo, favorecendo os colaboradores e excluindo os trapaceiros.

Recompensas Fisiológicas: O cérebro como aliado da cooperação

Se o altruísmo recíproco depende de reconhecimento e memória social, o cérebro humano precisou desenvolver mecanismos que tornassem esse comportamento não apenas racional, mas também emocionalmente recompensador. É nesse ponto que entram as recompensas fisiológicas, como forma de consolidar a cooperação como um hábito evolutivamente vantajoso.

Essas respostas fisiológicas não dependem de consciência moral ou expectativa de reciprocidade — são impulsos moldados pela evolução para favorecer a continuidade da espécie. Estudos indicam que neurotransmissores como dopamina e oxitocina já atuavam em organismos anteriores aos humanos, reforçando vínculos e comportamentos protetivos4. Ou seja,  o altruísmo é biologicamente recompensador — o que ajuda a explicar sua persistência evolutiva.

“O cérebro aprendeu a “gostar” de ajudar antes mesmo de entender por que ajudar”

Segundo Mendonça5, a empatia e a intersubjetividade são pilares da cooperação humana, e sua origem está ligada à necessidade de viver em grupo. 

A empatia surge com o desenvolvimento de espécies sociais, especialmente em contextos de cuidado parental, onde reconhecer e responder às necessidades emocionais de outro indivíduo se torna essencial para a sobrevivência da prole. Evolutivamente, ela se configura como uma forma de comunicação emocional pré-linguística, permitindo que um organismo perceba o estado afetivo de outro e ajuste seu comportamento em resposta5. Esse processo está associado à ativação dos neurônios-espelho e à sincronia biocomportamental — mecanismos observados em primatas, cetáceos e elefantes, que favorecem a imitação, o vínculo e a cooperação. A empatia, portanto, é um componente fundamental para o cuidado com filhotes e para a formação de vínculos duradouros entre indivíduos, consolidando-se como uma base emocional para comportamentos altruístas mais complexos.

Quando praticamos o altruísmo — beneficiando nosso grupo e garantindo a sobrevivência de nossos genes — nosso cérebro nos inunda com uma onda de bem-estar, liberando neurotransmissores como dopamina, oxitocina e serotonina4.

Como nosso cérebro é programado para repetir ações que geram essa sensação, o altruísmo é reforçado fisiologicamente, tornando-se um comportamento recorrente. Aquele que recebe a ajuda também é recompensado fisiologicamente, fortalecendo a confiança mútua.

O Falso Altruísmo e a Dinâmica das Negociações

O falso altruísmo é a habilidade de projetar uma imagem de generosidade e cooperação quando a verdadeira motivação é o interesse próprio. Essa estratégia visa construir reputação e confiança para obter vantagens futuras, como descreve o sociólogo Erving Goffman em seu trabalho sobre a gestão de impressões6. Ele argumenta que a vida social é um palco onde as pessoas “atuam” para controlar a percepção que os outros têm delas.

Esse comportamento pode ser visto como uma forma de sinalização estratégica. Ao se apresentar como um cooperador, o indivíduo sinaliza ser um bom parceiro, incentivando o outro a cooperar também. Pesquisas mais recentes sobre a teoria da sinalização de custo (costly signaling) confirmam que comportamentos aparentemente altruístas podem ser um sinal honesto da qualidade de um indivíduo como parceiro social7.

Um exemplo prático em negociações é quando um negociador oferece uma pequena concessão inicial sem um motivo aparente, como dar um prazo mais flexível, dando um desconto não esperado ou compartilhar informações não essenciais. Ele cria a impressão de que está “dando” algo, ativará a necessidade de reciprocidade no outro negociador. A expectativa é que, em troca desse pequeno gesto, o oponente ceda em outros pontos muito mais valiosos para ele no negócio.

Essa é a essência do falso altruísmo: um investimento estratégico em capital social para gerar um retorno futuro.

Punição Altruísta – A Força que Impõe a Justiça

Se o falso altruísmo é uma manipulação sutil, a punição altruísta é o mecanismo que a coíbe. O conceito define a ação de um indivíduo que, a um custo pessoal, pune um egoísta ou um trapaceiro, mesmo sem obter um benefício direto. Essa punição não é um ato de vingança, mas um comportamento fundamental para a manutenção da ordem social e da cooperação em larga escala.

A irritação que sentimos quando nos oferecem metade do preço por um carro não é apenas uma reação emocional. É um exemplo clássico de punição altruísta. Ao recusar a oferta, mesmo que isso signifique perder uma venda rápida, você está pagando um preço (o tempo e o esforço de continuar vendendo o carro) para punir a desonestidade do comprador. Esse ato, que parece puramente pessoal, serve a um propósito maior: ele reforça a norma social de que as negociações devem ser justas. Ao desincentivar propostas ultrajantes, você contribui para a integridade do mercado, beneficiando outros vendedores e compradores no futuro.

Pesquisas reforçam a centralidade da punição altruísta, mostrando que ela é um dos principais fatores que estabilizam a cooperação em populações humanas8.

Para o Homem de Negócios

A compreensão dos mecanismos de altruísmo, falso altruísmo e punição altruísta oferece um diferencial estratégico nas negociações. Longe de ser um ambiente movido por uma lógica puramente racional, a mesa de negociação é um palco onde a cooperação, a manipulação e o senso de justiça se confrontam.

O negociador bem-sucedido não é aquele que ignora essas complexas motivações, mas sim aquele que as reconhece. Saber distinguir um parceiro genuinamente cooperativo de um que utiliza a generosidade como tática e, quando necessário, aplicar a punição altruísta para proteger a própria integridade, é a verdadeira sabedoria.

Dominar esses conceitos é dominar a arte de decifrar o comportamento humano, transformando-o de uma fonte de risco em uma vantagem estratégica.

Por fim, será que existe Altruísmo Genuíno? A resposta para essa pergunta está no texto disponível aqui.

felipe-azarias

Felipe é fundador da Umajuda e especialista nas áreas de Neurociência e Filosofia. Apoiador de movimentos filantrópicos, empreendedor e executivo a mais de duas décadas, acumulou experiências internacionais que lhe permitiram conhecer diversas realidades, culturas e aprofundar seu conhecimento sobre o comportamento humano. Atualmente, também é doutorando pela USP na área de Neurociência.

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1 – DAWKINS, Richard. O Gene Egoísta. Tradução de Gerson L. de Oliveira. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

2 – HAMILTON, William D. The genetical evolution of social behaviour. Journal of Theoretical Biology, v. 7, p. 1–52, 1964.

3 – TRIVERS, Robert L. The evolution of reciprocal altruism. The Quarterly Review of Biology, v. 46, n.1, p. 35-57, 1971.

4 –  MOLL, Jorge et al. Human fronto-mesolimbic networks guide decisions about charitable donation. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 103, п. 42, р. 15623-15628, 2006.

5 – MENDONÇA, Julia Scarano de. Da intersubjetividade à empatia: em busca das raízes da cooperação. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro, v. 73, n. 2, p. 156–170, 2021. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/abp/article/view/53148/0. Acesso em: 30 ago. 2025.

6 – GOFFMAN, Erving. A Representação do Eu na Vida Cotidiana. Petrópolis: Vozes, 2011.

7 –  ZAHAVI, Amotz; ZAHAVI, Avishag. The handicap principle: a missing piece of Darwin’s puzzle. Oxford: Oxford University Press, 2010.

8 – RAND, David G.; NOWAK, Martin A. Human cooperation achievements. Evolution of Cooperation, v. 2, p. 177-184, 2013.

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