A Ciência do Sentimento

Você já sentiu seu coração acelerar antes de uma grande apresentação ou aquela sensação reconfortante ao reencontrar um grande amigo? Essas são emoções, respostas automáticas e instintivas que seu corpo gera. Mas, quando você começa a refletir sobre essa excitação ou nostalgia, transformando-a em uma experiência mais profunda, você entra no reino dos sentimentos.  

Segundo o renomado neurocientista António Damásio, as emoções surgem de reações biológicas no corpo, enquanto os sentimentos emergem na mente quando os indivíduos se tornam conscientes de seus estados emocionais. Essa conscientização transforma emoção  em sentimento, permitindo a introspecção, auto regulamentação e significação do evento.

As emoções são respostas inconscientes e automáticas desencadeadas por estímulos externos ou internos. Essas respostas, como o aumento da frequência cardíaca, olhos arregalados, contração muscular e pressão arterial elevada, são projetadas para a sobrevivência e são reguladas pelo sistema límbico do cérebro.  

As emoções funcionam como reflexos rápidos, ocorrem automaticamente diante de um estímulo. Por exemplo, ao ouvir um ruído alto, você pode pular e se assustar (emoção). Porém, mais tarde, ao processar o evento, pode perceber que o susto veio do medo, porque o som lembrou uma experiência passada (sentimento).  

Quando confrontado com o perigo, a emoção do medo surge automaticamente, preparando o corpo para lutar ou fugir. No entanto, apenas quando um indivíduo se torna consciente dessas mudanças fisiológicas e as interpreta em um contexto pessoal, os sentimentos emergem. Nesse caso, o medo (emoção) pode evoluir para ansiedade (sentimento), à medida que a pessoa começa a contemplar os possíveis desdobramentos da ameaça.  

Medo vs. Ansiedade

a) Imagine que você está caminhando na natureza e de repente avista uma cobra. Seu corpo reage instintivamente: o coração dispara, os músculos se tensionam e a adrenalina entra em ação. Isso é medo, uma emoção projetada para protegê-lo.  

b) Mais tarde, ao refletir sobre a experiência, você pode começar a antecipar perigos em futuras trilhas, preocupando-se com ameaças invisíveis. Essa inquietação persistente é ansiedade, um sentimento derivado da resposta emocional.  

Podemos aprofundar ainda mais esse exemplo:

a) Emoção (Medo): com o encontro com a cobra o seu corpo reage instantaneamente — o coração dispara, os músculos se contraem e a adrenalina entra em ação. Isso é medo, uma resposta biológica automática projetada para a sobrevivência.  

b) Sentimento (Ansiedade): Mais tarde, mesmo depois que a cobra já se foi, você pode começar a pensar em quão perigosa foi a situação. Pode sentir-se inquieto ao caminhar na natureza, antecipando outra possível ameaça. Esse desconforto persistente é a ansiedade, uma interpretação consciente da resposta emocional original.  

Autoconsciência e regulação emocional

Reconhecer a diferença entre emoções e sentimentos pode melhorar significativamente a autoconsciência e a regulação emocional, por exemplo:

1. Reduzir estresse e ansiedade: ao invés de deixar as emoções se transformarem em sentimentos avassaladores, compreender a causa de uma emoção pode evitar sofrimento desnecessário.  

Exemplo: Você está prestes a fazer uma apresentação de dança e começa a suar, ter dor de estômago e pressão cardíaca sobe. Em vez de permanecer preso ao medo, reconhecer que esse medo é uma resposta temporária e que é natural o corpo responder dessa maneira quando estamos fora da zona de conforto , ajuda a prevenir a ansiedade e até evitar que você desista de se apresentar.  

2. Melhorar a inteligência emocional: saber que as emoções acontecem automaticamente e que os sentimentos emergem por meio da reflexão permite melhor comunicação e construção de relacionamentos. 

Exemplo: Se alguém parece irritado, entender a reação emocional subjacente (dor, frustração) ajuda a responder com empatia, em vez de defensividade.  

3. Tomar decisões mais conscientes: as emoções desencadeiam reações imediatas, mas os sentimentos oferecem um contexto mais profundo. Em vez de tomar decisões impulsivas com base na excitação ou no medo, refletir sobre os sentimentos leva a escolhas mais sensatas. 

Exemplo: Sentir nervosismo antes de uma entrevista não significa que você deve evitá-la. Ao processar a emoção, pode transformá-la em motivação.  

4. Fortalecer a resiliência mental: separar emoção de sentimento ajuda as pessoas a enfrentarem tempos difíceis sem ficarem presas à negatividade. 

Exemplo: Reconhecer a tristeza como uma resposta emocional inicial impede que ela se transforme em um desespero duradouro.  

Compreender a distinção entre emoções e sentimentos tem implicações profundas para o desenvolvimento pessoal e o bem-estar mental. Ao reconhecer que as emoções são respostas automáticas e os sentimentos resultam da consciência consciente, os indivíduos podem desenvolver maior inteligência emocional. Esse conhecimento permite que as pessoas regulem eficazmente suas reações emocionais, reduzindo comportamentos impulsivos e aprimorando a autorreflexão.  

Separar emoções de sentimentos, pode ajudar a cultivar interpretações mais saudáveis de suas experiências emocionais, promovendo resiliência e bem-estar psicológico.

felipe-azarias
felipe-azarias

Felipe é fundador da Umajuda e especialista nas áreas de Neurociência e Filosofia. Apoiador de movimentos filantrópicos, empreendedor e executivo a mais de duas décadas, acumulou experiências internacionais que lhe permitiram conhecer diversas realidades, culturas e aprofundar seu conhecimento sobre o comportamento humano. Atualmente, também é doutorando pela USP na área de Neurociência.

1- BOSSE, T.; JONKER, C.; TREUR, J. Formalization of Damasio’s Theory of Emotion, Feeling and Core Consciousness. Disponível em http://www.few.vu.nl/~wai/Papers/CC07damasio.pdf

2- GARDEL, N. USC Neuroscientist Antonio Damasio on Feelings and Emotions. USC, 2018. Disponível em: https://ngp.usc.edu/2018/03/15/usc-neuroscientist-antonio-damasio-argues-that-feelings-and-emotions-are-what-make-up-human-intelligence-consciousness-and-the-capacity-for-cultural-creation-a-map-of-the-computational-mind-he-says/

3- BATISTA, E. Antonio Damasio on Emotion and Reason. Ed Batista, 2011. Dispoível em https://www.edbatista.com/2011/07/antonio-damasio-on-emotion-and-reason.html

4- Fundamental Feelings. Simon Fraser University, 2001. Disponivel em https://www.sfu.ca/~kathleea/docs/Damasio%20-%20Fundamental%20Feelings.pdf

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *