Muito do que fazemos todos os dias é guiado por algo que raramente paramos para pensar: nossas memórias emocionais. Elas não ficam armazenadas em forma de histórias conscientes, mas em sensações, padrões e reações — muitas vezes criadas sem esforço. São chamadas de memórias não declarativas e moldam nosso jeito de agir quase automaticamente.
Essas memórias são criadas a partir de experiências repetidas, emoções intensas e principalmente pelos ambientes sociais que vivemos: família, escola, trabalho, grupos.
Condicionamento: quando o ambiente “ensina” sem explicar
Há mais de um século, cientistas como Pavlov descobriram que nossos comportamentos podem ser moldados por associação: ele fez um cachorro salivar ao ouvir uma campainha, porque a campainha era sempre seguida por comida. Mais tarde, Skinner mostrou que nossos atos mudam conforme o que acontece depois deles.
– Quando recebemos algo bom após uma ação (ex.: um elogio), tendemos a repetir essa ação.
– Quando paramos de sentir algo ruim após uma atitude (ex.: dar um doce para parar o choro), também aprendemos por reforço.
Essas respostas vão nos ensinando, aos poucos, o que é certo, aceitável, perigoso ou desaconselhado — nem sempre com palavras, mas com reações e consequências.
Cercas invisíveis: como o ambiente delimita nosso jeito de pensar
O ambiente onde crescemos ou vivemos, constrói barreiras emocionais silenciosas, que moldam nossa liberdade de agir, pensar, sentir e desejar. Essas “cercas imaginárias” não são ditas, mas ensinadas por olhares, gestos e reações repetidas.
Exemplos:
– Um chefe autoritário cria um clima de medo, fazendo com que as pessoas evitem sugerir ideias.
– Na escola, crianças que são interrompidas ao perguntar podem crescer com receio de pensar criticamente.
– Frases como “isso não se faz” delimitam desejos, ambições e até o senso de ética.
Ética: aprendida pela experiência, mais do que pelo discurso
Embora a ética pareça algo racional, na prática ela nasce do nosso histórico emocional. Agimos com empatia, honestidade ou respeito quando aprendemos — na pele — que essas atitudes trazem conexão, reconhecimento ou paz.
Mas o inverso também é verdade: ambientes que premiam o silêncio diante da injustiça ou a competição desenfreada geram ética moldada pela conveniência.
Ou seja, o certo e o errado, muitas vezes, são definidos por recompensas emocionais, não pela reflexão.
Liderança: entre cercas e pontes
O líder é um construtor de ambientes. Ele pode:
– Erguer cercas invisíveis, impondo medo, obediência e controle.
– Ou abrir pontes internas, estimulando curiosidade, responsabilidade e liberdade ética.
A forma como a liderança reage às emoções, ideias e atitudes dos outros define o clima de crescimento — ou de repressão.
Empreender é ultrapassar fronteiras.
Ser empreendedor não é apenas ter boas ideias. É ter coragem para romper limites emocionais inconscientes que dizem:
– “Você não consegue.”
– “Isso é perigoso demais.”
– “Isso não é pra você.”
Essas vozes internas muitas vezes vêm de episódios antigos — críticas, punições, silenciamentos — que construíram barreiras invisíveis. Superá-las exige autoconhecimento, não apenas estratégia.
Emoção como bússola: o papel da amígdala cerebral
O cérebro tem um centro chamado amígdala, responsável por lidar com medo, prazer, raiva e afeto. Experiências muito emocionais podem ser registradas lá — sem passar por partes racionais como o hipocampo.
Isso explica por que às vezes temos bloqueios, medos ou hábitos sem lembrar de onde vieram. Dois exemplos?
Uma pessoa que foi humilhada por um professor na infância pode evitar falar em público na vida adulta — sem lembrar do episódio, mas sentindo a mesma emoção.
Se uma criança aprendeu que “não deve chorar” ou que emoções são sinal de fraqueza, pode se tornar um adulto emocionalmente contido, com dificuldades em expressar afeto ou pedir ajuda, mesmo que deseje profundamente se conectar.
Transcender: reprogramar o nosso padrão emocional
Transcender é um movimento profundo: é entender de onde vieram nossas crenças limitantes e abrir espaço para escolher novos caminhos com consciência.
Práticas que ajudam nisso:
– Terapia e análise emocional
– Educação filosófica e crítica
– Ambientes abertos ao diálogo
– Relações que incentivam autonomia
Reescrever padrões internos é como desenhar novos contornos da nossa liberdade. É deixar de apenas reagir e começar a escolher com clareza quem somos e queremos ser.
Liberdade: construir-se por dentro
Ninguém nasce livre — nascemos condicionados. Mas, quando entendemos os mecanismos invisíveis que nos moldaram, ganhamos ferramentas para transformar nossa história.
Essa transformação não precisa rejeitar o que fomos. Ela convida a escolher com lucidez quem queremos nos tornar. Afinal, não é só sobre quebrar padrões externos. É sobre reconfigurar emoções internas, que nos dizem — às vezes silenciosamente — o que podemos ou não viver.
No fim, o convite é claro: não apenas sobreviver ao que nos ensinaram, mas reimaginar quem somos a partir de dentro— com afeto, coragem e consciência.


Felipe é fundador da Umajuda e especialista nas áreas de Neurociência e Filosofia. Apoiador de movimentos filantrópicos, empreendedor e executivo a mais de duas décadas, acumulou experiências internacionais que lhe permitiram conhecer diversas realidades, culturas e aprofundar seu conhecimento sobre o comportamento humano. Atualmente, também é doutorando pela USP na área de Neurociência.